Wednesday, May 23, 2012

Nas nuvens

Eu gostei de Histórias de Caçadeira, mas Take Shelter deixa-me de pé atrás a partir do primeiro plano com o céu carregado de nuvens de tempestade. São nuvens falsas – muito bem desenhadas ao computador, mas falsas.

Cruzámos a última fronteira. Durante décadas, o céu era o único elemento absolutamente incontrolável. Os filtros e a iluminação podiam tornar a noite em dia e o dia em noite; aparelhos de aspersão podiam fazer chover num dia de sol, e talvez, com um pouco de engenho, fosse possível enganar a presença da chuva quando o que se queria era um dia de sol (ou pelo menos, um dia seco). Mas não se fazia mise en scène das nuvens. Pelo que quando as nuvens se tornavam elemento dramático isso era de facto espantoso (cf. Red River e aquela cena para a qual Bogdanovich bem tentou arrancar de Hawks uma explicação – que provavelmente não havia: apenas sorte, e a sabedoria necessária para perceber a sorte que tinha).

Agora é fácil ter-se as nuvens que se quer. Mas deixaram de ser uma presença da natureza para serem uma assinatura da tecnologia. Não é a mesma coisa. Aliás, é exactamente o seu contrário.

Imagino Vidor ou Ford a olharem para as nuvens de Take Shelter: se é fácil, what’s the point? Problema genérico do digital: torna fácil o que ganhava sentido por ser difícil, e que por ser difícil era especial. Teoria: quanto mais fácil for fazer filmes, mais difícil será fazê-los especiais. Mas é aí que já estamos.